sexta-feira, 10 de abril de 2009

O Maracatu Baque Alagoano e os Tambores de Aleluia.


*Por Júlio César Andrade


Por quem os tambores silenciam?

Numa época não muito distante sentíamos fortemente o encantamento de um periodo sagrado chamado Quaresma. Um tempo onde a resignação e o respeito se faziam presentes nos ambientes familiares e tomavam conta das ruas e passeios públicos. Alimentado pela força do catolicismo popular, este encantamento modificava temporariamente o modo de ser, de pensar e de agir do povo, levando a momentos de reflexão sobre a mensagem de doação extrema em favor do próximo e da vitória da vida sobre a morte.

A simbologia deste tempo sagrado, hoje de forma mais tênue, ainda reforça a magia sentida nesta época em toda a sociedade, independente da religião em foco. Um exemplo disto é a “presença das ausências” na Igreja Católica oficial, que transporta os fiés para momentos de total infelicidade, como se todo o templo religioso, naquele instante, se curvasse diante do Santo Sepulcro. A linguagem do sofrimento é entendida por todos e a identificação daqueles que sofrem é imediata.

O silêncio, como um elemento natural das celebrações fúnebres se faz presente com toda a sua força, sendo quebrado apenas em alguns locais onde se preserva a tradição das matracas.

Dentro de um ambiente onde as diversas religiões se aglutinam sob uma só bandeira, verificamos nas religiões de matrizes africanas um respeito pela época sagrada que antecede a Sexta-Feira Santa, tão intenso quanto aquele demonstrado pela religião católica.

Seus tambores silenciam.

Talvez por um sincretismo com a Quaresma do catolicismo. As épocas coincidem e não se pode afirmar, com certeza, qual o calendário que influenciou e qual aquele que sofreu a influência. Para estas religiões, calar os tambores significa muito mais que só fazer silêncio em respeito a este período fúnebre. Os tambores constituem um elo com a ancestralidade, sendo o meio de comunicação para mensagens sagradas, faladas por meio de uma linguagem acústica totalmente inteligível para os fiéis que se dedicam a viver as religiões de matriz africana.

Estes mesmos tambores também dão ritmo às danças que, com igual importância, homenageiam seus deuses e aproximam o profano e o sagrado. Em outras palavras, eles causam um tipo de encantamento oposto ao citado anteriormente. Um encantamento de alegria, união, força e resistência. Um verdadeiro apelo à libertação, à vida.

E qual é a mensagem propagada por quase todas as religiões, para o final deste período de luto? Alegria, união, libertação, esperança e a certeza de que a vida sempre vencerá a morte.


Neste contexto, e com base em eventos que acontecem em vários Estados brasileiros, principalmente no Nordeste, o Maracatu Baque Alagoano lançou uma semente neste Sábado de Aleluia, ou Sábado de Maleme, chamada Tambores de Aleluia, nome trazido de manifestações maranhenses, onde aqueles que entendem o significado do respeito à Quaresma ou Lorogun, e da alegria de um recomeço, de um novo ciclo, tocaram seus tambores na Praça Dois Leões, no bairro do Jaraguá, a partir das 16 horas, numa reunião fraterna em que foi celebrada a vida, numa comunhão sincera, independente de religiosidade.

Além do toque dos tambores do maracatu também houve o resgate de antigas brincadeiras com as crianças da comunidade local, a distribuição dos alimentos arrecadados na última oficina do grupo e de doces. Houve diversão para os adolescentes, tendo, inclusive, a participação de um elemento folclórico da época há muito desaparecido de nossas ruas: a malhação do Judas.


Como não poderia deixar de ser, as crianças se esbaldaram diante de tantas opções de divertimento. Bambolês, bolas, cordas, cones de trânsito (!!!) foram os brinquedos mais requisitados da tarde, deixando a praça recheada de crianças sorridentes com tantas atividades divertidas acontecendo ao mesmo tempo.

Entretanto quem mais se divertiu foi o grupo de batuqueiros que se fez presente, tendo que dar conta de dezenas de crianças cheias de energia e empolgação para as brincadeiras.

No meio deste delicioso furacão não havia a opção “não se envolver”: batuqueiros rodando a corda para as crianças saltarem, jogando futebol, brincando de roda, jogando capoeira, basquete, montando o boneco folclórico representando o Judas, distribuindo balas, pipocas, brinquedos, os alimentos arrecadados, enfim, foi realmente impossível não se doar num momento tão mágico.

Quanto ao boneco, sabendo de toda a polêmica que envolve tal manifestação, houve a preocupação, por parte do grupo, da não incitação à violência. Foi feita uma releitura da tradição, estimulando as crianças apenas a desmanchar o boneco do Judas, tirando o material que recheava o personagem com as próprias mãos. Dessa forma eles assimilaram de uma forma amena um pouco da tradição conhecida em quase todo o Brasil.

As crianças também dançaram vários ritmos ao som dos instrumentos, como ciranda, Ijexá e os tradicionais baques executados pelo Maracatu Baque Alagoano.

O saldo? Crianças radiantes numa praça que, de repente, ganhou vida e brilho próprios, com tantos pensamentos e atitudes positivas; batuqueiros realizados, sabendo que contribuíram, de alguma forma, para uma Páscoa diferente e feliz que, com absoluta certeza, ficará gravada por muito tempo na memória daqueles jovens. Alagoanos, de fato ou de coração, com a sensação de dever cumprido pela realização de uma pequena ação social propagadora das ideias de inclusão sócio-culturais do grupo, de uma maneira bem sucedida.

Como dito anteriormente, este ano o Tambores de Aleluia foi considerado apenas uma semente lançada pelo Maracatu Baque Alagoano, pois a intenção do grupo é marcar anualmente a data com festividades que unam vários grupos percussivos, suas comunidades, suas tradições e, principalmente, suas crianças, independente de religiosidade ou classe social, num momento encantado de respeito e alegria.

Vamos unir forças para um evento ainda mais marcante. Contamos com isso.

O Maracatu Baque Alagoano e a juventude alagoana agradecem!


* Júlio, 37, é alagoano, servidor público da Ufal. Farmacêutico de formação, trabalha com a elaboração, monitoramento e gestão de projetos. Pesquisador na área de produtos naturais (própolis vermelha alagoana), é mestrando em produção vegetal na área de biotecnologia-genômica da cana-de-açúcar. É capoeirista angoleiro batuqueiro do Maracatu Baque Alagoano e coordenador da Comissão de Projetos do Grupo. Foi o autor deste texto e idealizador da Festa dos Tambores de Aleluia, realizada no último sábado, em Maceió, na Praça Dois Leões.


Descrição: todas as fotos foram feitas na praça Dois Leões, com estrutura antiga (postes, bancos, estátuas, canteiros, monumentos etc.), durante um fim de tarde, com céu já ameno.

1) várias crianças ao redor dos instrumentos do grupo, tocando, sorrindo e se divertindo;

2) batuqueira sentada no chão da praça, ensinando as 3 crianças menores a tocar agogô;

3) um dos batuqueiros ensina uma criança a tocar agogô; outro, joga capoeira com uma das crianças. Por toda a praça há crianças é batuqueiros interagindo;

4) sete crianças ao redor e abraçadas ao boneco do Judas, amarrado num poste da praça;

5) batuqueira brincando de roda com cerca de 12 crianças; ao fundo, um grupo de batuqueiros confecciona o boneco do Judas;

6) casal de batuqueiros roda a corda para um grupo de cerca de 8 crianças; ao fundo, um grupo de batuqueiros conversam entre si, próximo aos instrumentos.

7) Júlio César, sentado no palco externo do pátio do Museu Téo Brandão. Está vestido com camiseta vermelha, bermuda verde oliva e boné branco. Segura um agogô e ao seu redor há várias bolsas, garrafas de água e outros materiais dos dias de ensaio.

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