sexta-feira, 22 de abril de 2011

Tambores de Aleluia 23/04/2011

Caminhar. O tempo quaresmal, no catolicismo, remete a este verbo, indicando a ida de um ponto a outro, numa peregrinação onde o cansaço, a fadiga, o esforço dividem espaço com a vontade, a decisão, a resistência e a esperança. É diante deste difícil processo que é desenvolvida a capacidade de reconhecer o que é fundamental na vida. Neste período também se abre a possibilidade da aproximação entre os peregrinos e o Divino, onde o estabelecimento de diálogos e orações permite o entendimento e a superação das inquietações da viagem.

A Quaresma ainda é reconhecidamente um tempo de convertimento e de convivência. O convertimento refere-se à mudança da visão desesperançosa da vida para um olhar límpido diante desta, onde as outras pessoas passam a ser vistas em sua verdadeira essência. Devido à esta conversão, a convivência se torna quase uma conseqüência. Neste momento do calendário católico, a tolerância com os “diferentes”, com os excluídos, é evidenciada e a comunhão, no sentido de partilha de idéias, valores e anseios, é sentida e vivida. Diante de tudo isto é que, no período quaresmal, o sentimento de renovação da vida praticamente chega ao auge e transborda durante o Sábado de Aleluia e Domingo de Páscoa, nos lares daqueles que compreendem o seu significado.

Nas intrincadas relações seculares estabelecidas entre diferentes visões do Divino, sob o prisma étnico-religioso, o Lorogun, das religiões de matriz africana, está para a Quaresma, assim como o Sábado de Maleme está para o de Aleluia. Durante o Lorogun, como o próprio termo yorubá indica, os Orixás partem para a guerra na distante África com a intenção de resolverem seus conflitos e chegarem ao entendimento, superando aflições e ansiedades. Neste período, os tambores se calam. Responsáveis pela comunicação entre o divino e o profano, tais ferramentas silenciam por causa da impossibilidade de respostas dos guerreiros Orixás. As obrigações, então, não são realizadas por seus devotos.

Após muitas e extenuantes batalhas, os Orixás finalmente resolvem suas diferenças e se estabelece um sentimento de malamba, ou perdão. Seus seguidores percebem o início de um novo sentido para a vida, de recomeço, de união e esperança, de vitória da vida sobre a morte. Assim, a chegada dos Orixás reconciliados é comemorada no Sábado de Maleme (misericórdia e perdão, em kimbundo), onde finalmente os tambores voltam a tocar e as ancestrais atividades são retomadas nos locais sagrados, festejando a esperança de pujança e compreensão dentro da comunidade.

Não por acaso as datas e os sentimentos das religiões supracitadas se abraçam. A necessidade da convivência pacífica entre povos distintos fundiu tais conceitos e períodos, assim como aconteceu com suas etnias de origem; e verdadeiramente não importa quem influenciou ou quem sofreu influência, se de tal fusão surgiu tão bela demonstração de humanidade.

Munido do conhecimento e da responsabilidade por tê-lo obtido, o Maracatu Baque Alagoano realizará o já tradicional Tambores de Aleluia, baseado em manifestações maranhenses, onde a ação de fazer doações e de realizar antigas brincadeiras infantis com crianças em risco social e de religiões diversas será convertida em energia positiva para o início de uma nova caminhada dos batuqueiros e a convivência entre “diferentes”, durante a atividade, norteará as idéias e sedimentará os reais e desejados valores do grupo. Junte-se a nós neste prazeroso dia 23/04 (sábado de aleluia) às 15h, na praça Dois Leões, no bairro do Jaraguá. Comungue com essa idéia.

“...se a semente for cuidada, dará bom fruto e bela flor...”

(loa de Capoeira Angola)

Júlio César Andrade

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